quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

renegada queda


À certa altura da vida,
onde degraus se degradam,
Eu decido ser de descida,
e, num impulso suicida,
saltar os meus sobressaltos
e descer ao ser que acovardo
tomar-lhe os sonhos que guarda,
usar-lhe as asas rasgadas
e tentar cair para o alto.

  
  
ALTAIR DE OLIVEIRA

 In - O Lento Alento 

tempos guris...


bons tempos
frívolos ventos
vãos tempos
 
 
RAUL POUGH

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

anjo daltônico


Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio
e tumba e cal e coisas que eu não valho,
cobre isso tudo em que me denuncio.

Há também essa face que sumiu
e o espelho triste e o rei desse baralho.
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho.

Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.

Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Se vós não os vedes, culpa não me cabe
de andar vestido em túnica vermelha.

   
 
JORGE DE LIMA

domingo, 15 de janeiro de 2012

natureza morta


meu avô matisseava a parede
com a foto do seu velho caminhão F8
carregado de orgulho e toras
 

 RAUL POUGH

sábado, 14 de janeiro de 2012


Viver, eu suponho,
é montar no lombo da realidade
e chicotear o sonho

 
 
ALVARO POSSELT

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

para o melhor amigo, o melhor pedaço!


Serapião era um velho mendigo que perambulava pelas ruas da cidade. Ao seu lado, o fiel escudeiro, um vira-lata que atendia pelo nome de Malhado.

Não pedia dinheiro. Aceitava sempre um pão, uma banana, um pedaço de bolo ou um almoço feito com sobras de comida dos mais abastados. Quando suas roupas estavam imprestáveis, logo era socorrido por alguma alma caridosa. Mudava a apresentação e era alvo de brincadeiras.

Serapião era conhecido como um homem bom, que perdera a razão, a família, os amigos e até a identidade. Não bebia bebida alcoólica, estava sempre tranquilo, mesmo quando não havia recebido nem um pouco de comida. Dizia sempre que Deus lhe daria um pouco na hora certa e, sempre na hora que Deus determinava, alguém lhe estendia uma porção de alimentos.

Agradecia com reverência e rogava a Deus pela pessoa que o ajudava.

Tudo que ganhava, dava primeiro para o Malhado que, paciente, comia e ficava a esperar por mais um pouco. Não tinham onde dormir; onde anoiteciam, lá dormiam. Quando chovia, procuravam abrigo embaixo da ponte e, ali o mendigo ficava a meditar, com um olhar perdido no horizonte.

Aquela figura me deixava sempre pensativo, pois eu não entendia aquela vida vegetativa, sem progresso, sem esperança e sem um futuro promissor. 

Certo dia, com a desculpa de lhe oferecer umas bananas, fui bater um papo com o velho Serapião. Iniciei a conversa falando do Malhado, perguntei pela idade dele, o que Serapião, não sabia. Dizia não ter ideia, pois se encontraram certo dia quando ambos andavam pelas ruas e falou: 

 - Nossa amizade começou com um pedaço de pão, ele parecia estar faminto e eu lhe ofereci um pouco do meu almoço e ele agradeceu, abanando o rabo, e daí, não me largou mais. Ele me ajuda muito e eu retribuo essa ajuda sempre que posso.

Curioso, perguntei: 

- Como vocês se ajudam? 

- Ele me vigia quando estou dormindo; ninguém pode chegar perto que ele late e ataca. Também quando ele dorme, eu fico vigiando para que outro cachorro não o incomode.

Continuando a conversa, perguntei:  - Serapião, você tem algum desejo na vida?

- Sim, respondeu ele - tenho vontade de comer um cachorro-quente, daqueles que a Zezé vende ali na esquina. 

- Só isso? Indaguei. 

- É, no momento é só isso que eu desejo.

- Pois bem, vou satisfazer agora esse grande desejo.

Saí e comprei um cachorro-quente para o mendigo. Voltei e lhe entreguei. Ele arregalou os olhos, deu um sorriso, agradeceu a dádiva e em seguida tirou a salsicha, deu para o Malhado, e comeu o pão com os temperos. Não entendi aquele gesto do mendigo, pois imaginava ser a salsicha o melhor pedaço, não me contive e perguntei intrigado: 

- Por que você deu para o Malhado, logo a salsicha?

Com a boca cheia respondeu:

- Para o melhor amigo, o melhor pedaço! 

E continuou comendo, alegre e satisfeito. 

Despedi-me do Serapião, passei a mão na cabeça do Malhado e sai pensando. Aprendi como é bom ter amigos. Pessoas em que possamos confiar. Por outro lado, é bom ser amigo de alguém e ter a satisfação de ser reconhecido como tal.

Jamais esquecerei a sabedoria daquele eremita:  "PARA O MELHOR AMIGO, O MELHOR PEDAÇO!"

(Autoria ignorada )

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

...


Talvez o poeta - forma nada complexa -,
traga no íntimo a importância do espinho
e a cor da flor...
se o espinho sangra, a flor conserva-se.
Assim é o amor.
... Assim, o poeta o define.
 
 
JOSEMIR TADEU SOUZA

poema para sair de um ano e entrar no outro


Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenes
... Todas as buzinas
Todos os reco-reco tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…
  
  
MÁRIO QUINTANA