sexta-feira, 30 de março de 2012

adeus em preto e branco


                              ultrapassei teus limites
                              renegaste os meus
                              nem por isso estamos quites
 
 
                              RAUL POUGH

quarta-feira, 28 de março de 2012

massa de ar quente


calor nos meus lábios,
não era o teu beijo...
era o vento do pastel
 
 
RAUL POUGH

assombros


Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.
Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.
 
 
AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

terça-feira, 27 de março de 2012

presente


Quando nasce uma estrela
o coração nos diz
que as luzes virão, sempre

Quando nasce a saudade
a voz que fala é a do vazio que se instala
feito trilhos e dormentes à espera do trem

e na estação deserta
olhando estrelas que vêm e vão
está o homem, debruçado em sua solidão

não haverá trens
não haverá ninguém ou nada
apito, fumaça ou gentes

só o céu inatingível
se a saudade, feito estrela arrivista,
umedecer de brilhos sua vista

Saudade e estrela são sonhos cadentes
que deixam rastros parecidos
reluzentes e fugidios

só que uma se repete
enquanto a outra evanesce
A outra é a estrela ...

Quando nasce o Amor
dizemos ao coração
que a luz será perene

a luz que brilhará
nas trevas do caminho
e que trará o mundo às nossas mãos

mesmo que na saudade do que foi
na saudade do que é
na saudade do que será

na saudade ...

Em sua totalidade celeste
no espaço que veste a vontade
de nascer e morrer de paixão

o homem poderá estar sozinho
mas se houver uma única estrela
no éter, o poeta, não!
 
 
MAURO VERAS

sábado, 24 de março de 2012

chupetas punhetas guitarras


Choram meus filhos pela casa
fraldas colos fanfarras
Meus filhos choram querendo talvez meu peito
ou talvez o mesmo único leito que reservei pra mim
Assim aprendi a doar
com o pranto deles
Na marra aprendi a dar mundo a quem do mundo é
A quem ao mundo pertence e de quem sou mera babá
Um dia serei irremediavelmente defasada, demodê
Meus filhos berram meu nome função
querendo pão, ternura, verdade e ainda possibilidade de ilusão
Meus filhos cometem travessuras sábias
no tapa bumerangue da malcriação
Eu que por eles explodi buceta afora afeto adentro
ingiro sozinha o ouro excremento desta generosidade
Aprendo que não valho nada em mim
Que criar pessoa é criar futuro
não há portanto recompensa, indenização
mesquinhas voltas, efêmeros trocos.
Choram pela casa e eu ouço sem ouvidos
porque meus sentidos vivem agora sob a égide da alma
   
Chupetas punhetas guitarras
meus filhos babam conhecimentos da nova era
no chão de minha casa.
Essa deve ser minha felicidade.
Aprendo a dar meu eu, aquilo que não tem cópia
tampouco similar
E o tempo, esse cuidadoso alfaiate, não me conta nada
Assíduo guardador dos nossos melhores segredos
sabe o enredo da estória
Vai soprando tudo aos poucos e muito aos pouquinhos
Faz eu lembrar que meu pai também já foi pequenininho
Que só por ele ter podido ser meu ontem
Só por ele ter fodido com desesperado desejo minha mãe
um dia eu existi.
   
Choram meus filhos pela Nasa onde passeamos planetas e reveses
Eu escuto seus computadores, eu limpo suas fezes
faço compressas pra febre, afirmo que quero morrer antes deles
assino um documento onde aceito de bom grado
lhes ter sido a mala o malote a estrela guia
Um dia eles amarão com a mesma grandeza que eu
uma pessoa que não pode ser eu
Serão seus filhos suas mulheres seus homens
Eu serei aquela que receberá sua escassa visita
Não serei a preferida.
   
Serei a quem se agradece displicente
pelo adianto, pela carona
de poderem ter sido humanidade.
Choram meus filhos pela casa
Eu sou a recessiva bússola
a cegonha a garça
com um único presente na mão:
Saber que o amor só é amor quando é troca
E a troca só tem graça quando é de graça.
 
 
ELISA LUCINDA

segunda-feira, 5 de março de 2012

ficar velho?


Ficar velho é
deixar enguiçar
o sonho, o propósito, a capacidade de criar.
Ficar velho é
deixar morrer o pensamento novo
que não para de gritar.
Ficar velho é
correr em sentido contrário
das belezas da vida,
sustentar doendo aquela antiga ferida.
Ficar velho é
entregar os pontos, desistir, calar.
Ficar velho é,
não querer enxergar oportunidades,
tapar o sol com a peneira,
ao invés de recriar o tempo,
seguir em frente,
lutar.

   
  
IVONE BOECHAT

domingo, 4 de março de 2012

renúncia


Renunciar. Todo o bem que a vida trouxe,
Toda a expressão do humano sofrimento
A gente esquece assim como se fosse
Um vôo de andorinha em céu nevoento.

       
Anoiteceu de súbito. Acabou-se
Tudo… A miragem do deslumbramento…
Se a vida que rolou no esquecimento
Era doce, a saudade inda é mais doce.
       
Sofre de ânimo forte, alma intranquila!
Resume na lembrança de um momento
Teu amor. Olha a noite: ele cintila.
     
Que o grande amor, quando a renúncia o invade,
Fica mais puro porque é pensamento,
Fica muito maior porque é saudade.
     
       
CARNEIRO DA CUNHA

sexta-feira, 2 de março de 2012

conteúdo: o xis da questão


prometi, sim, a
mala e respeitá-la
até que...
      
mas tudo o que ela tinha
pra oferecer em troca
cabia numa valise
       
des(nécessaire) dizer
que tudo acabou
por falta de (bag)agem
     
     
RAUL POUGH