terça-feira, 30 de agosto de 2011

reflexões de uma manhã de agosto


             acordei
             meio tonto meio zorro
             louco pra ziguezaguear
             a lâmina espadeira
             por testas infestas
             bandidas franzidas
             da humanidade vil

             levantei
             meio charles bronson
             com cinco desejos de matar

             paladar paladino
             pensei num pingado
             pão com manteiga na chapa

             me enrolei
             num cachecol
             na cabeça o gorro

             padaria hoje em dia
             vende doril e jornal
             passagens pra lua-de-mel
             até carne de sol

             a espera me permite
             folhear o conteúdo hediondo do diário

             minas: polícia encontra carro de suspeito
             de matar e esquartejar três irmãs em uberaba

             porto alegre: mesa-diretora da câmara
             aprova salário de R$ 14.837 para vereadores

             rússia: homem é preso após matar vítima
             e usar sua carne para fazer croquetes

             curitiba: salário dos professores da rede estadual
             poderá ser reajustado em 5,83%

             sampa: após briga de torcidas, corpo de corinthiano
             é encontrado morto no rio tietê

             brasil: médicos marcam paralisação nacional
             em protesto contra planos de saúde

             rio: governo culpa condutor morto por acidente no bonde
             (ele tinha apenas trinta e cinco anos de experiência)   

             brasília: plenário da câmara livra deputada
             de cassação do mandato por falta de decoro

             na página dois
             a charge do dia mostra
             o capitão américa
             descolando uma esmola
             na esquina da wall street
             com a general lee

             quem me dera um dia de fúria...
             michael douglas era feliz e sabia
             tanto que não perdeu a ternura

             na volta pra casa
             uma imagem patética...
             o sargento garcia
             na fila do sus (vida dura)
             acompanhado do neto
             vestindo boné do homem-aranha

             ensimesmado
             nas trevas do constrangimento
             penso em voz alta:
             já não se fazem
             baader nem meinhof
             como antigamente
 
             zapata, eu? comandante marco?
             lampião? maria bonita, quem sabe?

             qual nada!
             chego em casa
             com o rabo pusilânime entre as pernas
 
             começo a rabiscar um poema
             enquanto sonho
             o sonho de um dia vir a ser

             o exterminador do futuro
 
 
             RAUL POUGH

domingo, 28 de agosto de 2011

primeira foto de hitler


E quem é essa gracinha de tip-top?
É o Adolfinho, filho do casal Hitler!
Será que vai se tornar um doutor em direito?
Ou um tenor da ópera de Viena?
De quem é essa mãozinha, essa orelhinha, esse olhinho, esse narizinho?
De quem essa barriguinha cheia de leite, ainda não sabemos:
de um tipógrafo, padre, médico, mercador?
Quais caminhos percorrerão estas pernocas, quais?
Irão para o jardinzinho, a escola, o escritório, o casório
com a filha do burgomestre?
    
Anjinho, pimpolho, docinho de coco, raiozinho de sol,
quando chegou ao mundo um ano atrás,
não faltaram sinais na terra nem no céu:
gerânios na janela, um sol primaveril,
a música de um realejo no portão,
votos de bom augúrio envoltos em papel crepom rosa.
Pouco antes do parto, o sonho profético da mãe:
sonhar com uma pomba - sinal de boas novas,
se for pega - vem uma visita muito esperada.
Toc, toc, quem é, é o coraçãozinho do Adolfinho que bate.
   
Fralda, babador, chupeta, chocalho,
O menino, com a graça de Deus e bate na madeira, é sadio.
parecido com os pais, com um gatinho na cestinha,
com os bebês de todos os outros álbuns de família.
Não, não vai chorar agora,
o fotógrafo atrás do pano preto vai fazer um clique.
   
Ateliê Klinger, Grabenstrasse Braunau.
E Braunau é uma cidade pequena, mas respeitada,
firmas sólidas, vizinhos honestos,
cheiro de massa de pão e de sabão cinzento.
Não se ouve o ladrar dos cães nem os passos do destino.
Um professor de história afrouxa o colarinho
e boceja sobre os cadernos.
  
  
WISLAWA SZYMBORSKA


(Kórnik, Polônia, 1923)
Tradução: Regina Przybycien

Contribuição: Rodrigo Madeira

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Ainda Leminski


ponto / contraponto


acordei bemol
tudo estava sustenido

sol fazia
só não fazia sentido
  
  
PAULO LEMINSKI
  
     
. . . . .
  
  
acordei sustenido
tudo estava bemol

não fazia sentido
nem sol
  
  
RAUL POUGH

67 anos de LEMINSKI



 PAULO LEMINSKI

A 26 de Agosto de 1944, nascia em Curitiba - PR, o professor, escritor, poeta, ensaísta, letrista, compositor, tradutor e faixa-preta de judô.
Morreu precocemente aos 44 anos, deixou um legado formidável e transformou-se em mito, uma lenda viva!

2 poemas de LEMINSKI


                        1.

                        lembrem de mim
                        como de um
                        que ouvia a chuva
                        como quem assiste missa
                        como quem hesita, mestiça,
                        entre a pressa e a preguiça



                        2.

                         já me matei faz muito tempo
                         me matei quando o tempo era escasso
                         e o que havia entre o tempo e o espaço
                         era o de sempre
                         nunca mesmo o sempre passo

                         morrer faz bem à vista e ao baço
                         melhora o ritmo do pulso
                         e clareia a alma

                         morrer de vez em quando
                         é a única coisa que me acalma
 
 
                         PAULO LEMINSKI

sábado, 20 de agosto de 2011

Pai, começa o começo!

      Quando eu era criança e pegava uma tangerina para descascar, corria para meu pai e pedia: "Pai, começa o começo!". O que eu queria era que ele fizesse o primeiro rasgo na casca, o mais difícil e resistente para as minhas pequenas mãos. Depois, sorridente, ele sempre acabava descascando toda a fruta para mim. Mas, outras vezes, eu mesmo tirava o restante da casca a partir daquele primeiro rasgo providencial que ele havia feito.
     Meu pai faleceu há muito tempo (e há anos, muitos, aliás) não sou mais criança. Mesmo assim, sinto grande desejo de tê-lo ainda ao meu lado para, pelo menos, “começar o começo” de tantas cascas duras que encontro pelo caminho. Hoje, minhas "tangerinas" são outras. Preciso "descascar" as dificuldades do trabalho, os obstáculos dos relacionamentos com amigos, os problemas no núcleo familiar, o esforço diário que é a construção do casamento, os retoques e pinceladas de sabedoria na imensa arte de viabilizar filhos realizados e felizes, ou então, o enfrentamento sempre tão difícil de doenças, perdas, traumas, separações, mortes, dificuldades financeiras e, até mesmo, as dúvidas e conflitos que nos afligem diante de decisões e desafios. Em certas ocasiões, minhas tangerinas transformam-se em enormes abacaxis.
     Lembro-me, então, que a segurança de ser atendido pelo papai quando lhe pedia para "começar o começo" era o que me dava a certeza que conseguiria chegar até ao último pedacinho da casca e saborear a fruta. O carinho e a atenção que eu recebia do meu pai me levaram a pedir ajuda a Deus, meu Pai do Céu, que nunca morre e sempre está ao meu lado. Meu pai terreno me ensinou que Deus, o Pai do Céu, é eterno e que Seu amor é a garantia das nossas vitórias.
     Quando a vida parecer muito grossa e difícil, como a casca de uma tangerina para as mãos frágeis de uma criança, lembre-se de pedir a Deus: "Pai, começa o começo!". Ele não só "começará o começo", mas resolverá toda a situação para você.
     Não sei que tipo de dificuldade eu e você encontraremos pela frente neste ano. Sei apenas que vou me garantir no Amor Eterno de Deus para pedir, sempre que for preciso: "Pai, começa o começo!".

(autoria desconhecida)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

revelação

...


                         uma duas três
                         rosas vermelhas
                         mosquitinhos inhos inhos
                         celofane fitilho purpurina
                        
                         (red_roses.gif)

                         – aqui é o blog de dona fulana?
                         – donafulana.blogspot.com certeza
                         – eu vim postar uma entrega
                         – deixa eu ver a sua senha
                         – vamos lá... desativar caps lock... pronto!
                         – veio junto um cartão?
                         – sim, mas está em branco
                         – quem enviou?
                         – um tal... anônimo
                         – deixa aí, no rascunho,
                                          que eu vou rastrear este tonto! 

                         logoff
 
   
                               RAUL POUGH

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

neologismo


                         Beijo pouco, falo menos ainda.
                         Mas invento palavras
                         Que traduzem a ternura mais funda
                         E mais cotidiana.
                         Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
                         Intransitivo:
                         Teadoro, Teodora.
  
 
                        MANUEL BANDEIRA

terça-feira, 16 de agosto de 2011

bengala de algodão


decola o trator de cristal
com um band-aid na amígdala;
quem roubou meu assobio?
   
   
RAUL POUGH

terça-feira, 9 de agosto de 2011

boa noite, professorinha!


este poema é pra ti, meu amor!
                                   
                            I

                            o pastel-almoço
                            com sabor de rodoviária
                            paladar viciado

                            o velho ônibus, saco! aleijante
                            a coluna dilacerada
                            implorando aposentadoria

                            destino vintenário:
                            escola pública estadual
                            distrito, zona rural

                            lá vai a professorinha...
 

                            II

                            atropela as adversidades
                            sufoca as dores... todas
                            dribla a carência de recursos

                            nos sapatos cansados
                            o barro da mesma estrada
                            a poeira de giz

                            mão direita
                            desliza branca sobre a pedra verde
                            desenhando conhecimento

                            lá está a professorinha...
    
  
                            III
 
                            nos bancos envelhecidos
                            relicário de retantas histórias
                            joices, márcios, mariléas...

                            roupinhas surradas
                            sapatinhos rotos, sandálias de tiras
                            cachos e topetes por cortar

                            ainda carregam
                            a inocência nos lábios
                            a primavera no olhar

                            lá estão eles, os baixinhos da “pro”
 
 
                            IV
 
                            atentos e ansiosos
                            — o que a “pro” vai inventar hoje? —
                            pelo espetáculo do dia

                            — vamos lá!
                            objetos de uso pessoal...
                            o que a “pro” desenhou na lousa?

                            — um tijolo... um garfo... um repolho...
                            (risos) — gustavo, não te faz (de bobo)
                            — um isqueiro... uma rapadurinha...

                            tenta sustentar um olhar de seriedade
                            puxa a cadeira e descansa a desolação
                            arremata — aquilo é um celular, crianças!

                            as gargalhadas, intermináveis
                            podem ser ouvidas no distrito vizinho
                            resta à “pro”, altiva, rir junto

                            bate o sinal
                            — “pro”, amanhã podemos fazer maquete?
                            — podem, podem!

                            lá vão eles, os baixinhos...
 
  
                            V
 
                            na parada do ônibus (o mesmo)
                            vento e garoa, de braços dados
                            desafiando a saúde já frágil

                            destino: rodoviária (a mesma)
                            a correria pra chegar em casa
                            ducha, quase-banho
  
                            hoje, não vai dar tempo
                            o café vai ter que esperar pelo jantar
                            se a fome sobreviver ao cansaço

                            raro momento de conforto
                            o percurso no velho carro financiado
                            até outra escola, municipal

                            lá vai a professorinha...


                            VI

                            zona urbana (credo!)
                            retratos noturnos de vida bandida
                            drogas, violência, guerra perdida

                            os olhos já descrentes não enxergam
                            por vezes, os pobres coitados
                            que buscam a alfabetização tardia

                            ponteiros indiferentes
                            arrastam-se em monótona ladainha
                            tic tac tic tac tic

                            ufa! enfim, a noite termina

                            ainda resta seguir uma recomendação:
                            — amor, usa o cinto!
                            lá vai a professorinha...


                            VII

                            a fechadura de casa insiste
                            em exigir a chave que lhe abra
                            roda o tambor e o trinco se acomoda
  
                            — boa noite, professorinha!
 
 
                            RAUL POUGH


Beija-flor


                        O beija-flor deixou todo mundo intrigado,
                        abandonou o florido jardim
                        e se mudou pra horta ao lado.

                        Curiosa, a florzinha perguntou:

                        – Mas o que houve, meu senhor?
                        E o beija-flor em estado de graça:
                        – Me apaixonei por uma couve, flor!
   
  
                        LU CAÑETE / RODRIGO MADEIRA

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

vazio


                                  fundo de caneca
                                  sob o último gole de café
                                                     tua ausência
 
 
                                  RAUL POUGH

uma corola




pg. 137


                                 plantei um pé-de-tempo
                                 no canteiro das horas
                                 e fiquei esperando os
                                 brócolis da eternidade
       
                                 nasceram relógios de alface
                                 ponteiros de couve
                                 segundos de tomate
                                 tic-tac de pontuais cupins
                                 formigas cortam folhas-de-minutos               
                                 onde o futuro inseto é pupa,
                                 horário de borboleta
      
                                 junto ao pé-de-tempo brotaram
                                 calendários de flores
                                 e relógios de sol
                                 para despertar onze horas,
                                 sem a pressa dos adubos químicos
      
                                 agenda para passarinhos
                                 compromissos de poesia
        
    
                                 NICOLAS BEHR
     
                                 do livro "O Bagaço da Laranja"

...


photo by Daniela Xu

a maior ironia


Com o ensino cada vez pior – e ainda por cima sendo mais difícil conseguir uma reprovação -, temos gente saindo das universidades quase sem saber coordenar pensamentos e expressá-los por escrito, ou melhor: sem saber o que pensar das coisas, desinformados e desinteressados de quase tudo. Fico imaginando como será em algumas décadas. A ignorância alastrando-se pelas casas, escolas, universidades, escritórios, congressos, senados... Multidões consumistas ululando nas portas e corredores de gigantescos shoppings, países inteiros saindo da obscuridade – não pela democracia, mas para participar da orgia de aquisições, e entrar na modernidade.
     
Em algumas coisas sou pessimista: essa é uma delas. Mas acredito que os que ainda quiserem pensar, estudar, descobrir, inventar, pintar, dançar, cantar ou escrever vão viver numa espécie de ilha. Talvez em universidades tradicionais ou ultra-adiantadas, ou no aconchego de bibliotecas em casa, praticamente todas de e-books ou recursos com que nem sonhamos, exigido pouco espaço.
     
Já existem em países adiantados intelectuais, pensadores, pesquisadores, cientistas pagos simplesmente para pensar. Criar, inventar, descobrir. Um deles, meu conhecido, cujo hobby é tocar piano, conseguiu, sem ter de pedir, uma sala enorme à prova de som, para tocar altas horas ou de dia, sem incomodar vizinhos.
      
As atuais agitações em países do Oriente me fizeram pensar que a filosofia (os gregos) foi substituída pela religião, a religião pelas ideologias, e as ideologias atualmente, pelo consumismo. Não sou contra consumir, gosto do meu celular eficiente e relativamente moderno, embora saiba que em poucas semanas, ou dias, ele estará ultrapassado. Isso não me incomoda. Não me deixa ansiosa por trocar este por outro, que em pouco tempo também deverá ser substituído, numa compulsão idiota. Não gosto é dessa compulsão idiota. Meu computador e meu notebook são atualizados e eficientes, mas não me importa que em algumas semanas estejam superados, desde que funcionem bem.
     
Gosto de poder trocar de carro quando o outro bate biela (não sei o que é biela mas ouvi falar). Porém, nem posso nem desejo estar sempre com o último modelo, ou o mais luxuoso. Diante da miséria de meu país, acho que isso me envergonharia, como caríssimas joias e bolsas ou roupas de grife. Vivo uma busca de simplicidade, que ajuda bastante a viver curtindo mais e melhor as coisas boas que existem no meio do horror. Podem ser simplíssimas, como um livro interessante, um Mozart profundo, as crianças que correm no jardim de uma casinha que temos na montanha. Um casal de guaxinins fez seu ninho embaixo da varanda, nosso novo encantamento.
      
Se a gente não consegue coisas desse tipo, a vida fica pesada demais. Corrida demais. Relógios demais, compromissos demais, bebida, comida, contas demais, e de repente a velha prostituta que chamamos Morte revira seus olhos sinistros de gato, limpa os bigodes e prepara o bote.
     
E nós, onde estamos? Em casa, na cama, na loja, no bar, na praia, na multidão enlouquecida, na solidão do hospital – ou rodeados de alguns afetos essenciais? Ou sozinhos, mas apaziguados? Ou em alguma ilha, que pode ser de artistas ou pensadores dignamente valorizados, ou no minúsculo escritório, ou quarto, em casa, sentindo o contentamento de alguns momentos bons, ou simplesmente refletindo, contemplando?
     
Vamos ter “aproveitado” a vida, coisa que se aconselha aos jovens desde o tempo de minhas avós – aos rapazes naturalmente, naqueles tempos de moças recatadíssimas -, vamos continuar infantilizados, ou vamos melhorar um pouco como seres humanos? Ou isso tudo não nos interessa nadinha (o que é mais provável)?
      
O que vai ser, o que vamos sentir, alegria ou tormento, ansiedade inútil ou trabalho de crescimento pessoal, e como vamos enfrentar as unhas afiadas daquela velha dama de gélidos olhos? Quase sempre depende de nós, que giramos feito baratas tontas em busca da última novidade, do mais moderno acessório, da mais louca diversão. E essa é a maior ironia.
   
   
LYA LUFT