status quotidianus, desvairamentos específicos, alucinações genéricas, poesia textual, imagética, minimalismo, alka-seltzer y otras cositas más...
domingo, 31 de janeiro de 2010
1
Não se limite
a dizer coisa com causa.
Não beba o eco ou o cio
que brota de versos alheios.
Não se banhe duas vezes
no mesmo vazio,
mesmo estando cheio.
Não caminhe por estradas conhecidas
e nem queira novas perguntas
para suas velhas respostas.
Não se imite,
perca-se no caminho da volta.
JOÃO ANDRADE
in: " Por Sobre as Cabeças" (2005)
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
pg. 42
você gastou tempo e perícia
para que eu ficasse apaixonado
mas tropeçou em tanta astúcia
e seu charme piscou o olho errado
depois fumou todo o meu cigarro
roubou meu isqueiro roubado
bateu a porta e o carro
e eu continuei ali sentado
outro dia chegou pelo correio
sua orelha e um pulso cortado
meu bem, te reconheci pelo cheiro
mas não fiquei preocupado
só saí e comprei um revólver –
baby, eu não queria andar armado
mas sua estupidez não lhe deixa ver
que eu não quero ser seu namorado
MARCOS PRADO
in: "Livro de Poemas de Marcos Prado" (1996)
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
domingo, 24 de janeiro de 2010
enquanto o depois não vem
quando ela... chegar pra valer
chamem o serviço de captação de órgãos
o coração?
ah, este nem pensar...
dois enfartes: uma safena, duas mamárias
quase um sergipe de área necrosada
insuficiência comprovada nas camas e escadarias
carvedilol, digoxina, cloridrato de amiodarona
hemifumarato de alisquireno, sinvastatina
indapamida, varfarina sódica, espironolactona
cloridrato de amilorida, furosemida, trimetazidina
e, de quebra, um bromazepam, que ninguém é de ferro...
diuréticos, beta-bloqueadores, antiisquêmicos
anti-hipertensivos, anticoagulantes, antiarrítmicos
glicosídeos, ansiolíticos, antidilipidêmicos
eletro e ecocardiogramas, cintilografias, e por aí vai...
além do mais, pra complicar, o cara
não funciona no tun-tum, tun-tum, de jeito nenhum
a coi$a é na base do din-dim, din-dim
troiano algum merece!
deixem-no onde está, portanto
do restante, façam o que quiserem
mas aviso, as unhas são quebradiças
RAUL POUGH
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Voo cego
Em voo cego,
singro o nevoeiro.
Onde o radar que me guie?
Perco-me em labirintos interiores.
Que mistérios defendem
tantas portas seladas?
Quem me cifrou em enigmas?
HELENA KOLODY
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Bolinha de gude
Era uma vez
três cães de raça:
Épico, Lírico, Alegórico.
Mas o guri gostava mesmo
era da cadelinha vira-lata
chamada Delírio.
MARIO PIRATA
in: "Calcinha Rosa de Cadeira de Balanço" (1988)
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
o poema não acabou
Lili, depois de 26 anos
divorciou-se de J. Pinto Fernandes
foi para os Estados Unidos
e casou-se com João
RAUL POUGH
domingo, 17 de janeiro de 2010
derivas e derivações
I
aviso aos navegantes:
o mar não está pra peixe
te liga, gaivota!
te liga, marinheiro!
a gaivota, instinto puro
põe-se a nidificar
o marinheiro, instinto burro
põe-se a desafiar
o mar, ondas explosivas de insensatez
o vento, furiosas rajadas de intolerância
no desencontro, encontra
o beijo ameaçador da tempestade
deixa-se seduzir
pelo deus primordial: caos
(pensa o que não deve, diz o que não quer
ofende, magoa, ofende-se, magoa-se)
e flerta com a imagem cadavérica
da princesa da foice, fatal
(e mete os pés pelas mãos, estúpido
e bota tudo a perder, cretino)
vê-se na antessala do apocalipse
e borra-se vergonhosamente
prostrado, à deriva
sofre sofre sofre sofre sofre
II
mas nem tudo está perdido
mayday mayday mayday
dit dit dit dah dah dah dit dit dit
liga 911, fala com aquele rapaz
luz e treva
disputam hegemonia no fim do túnel
enfim, lux
(mais sorte do que juízo)
III
singra a nau
riscando de amor a calmaria
velas a meio-pau
retinas brilhantes vislumbram a baía
o porto, de olhos preguiçosos
boceja um hálito aliviado
como quem desperta de um sonho ruim
a aproximação é lenta
o ancoradouro sorri hospitaleiro
abraça as amarras, assim...
o sabor do reencontro com o destino
traçado pelas marias de orion
tatuado ao vento com neon e purpurina
IV
da próxima vez,
te liga, marinheiro!
RAUL POUGH
sábado, 16 de janeiro de 2010
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
crime e castigo
drummond sabia das coisas
o amor é bandido; deveria ir preso
por formação de quadrilha
RAUL POUGH
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
tragédia romântica
(trailer)
ataco,
todas as armas
defendes,
todos os escudos
tombo ferido
finges de morta
acabo na UTI
tu, no cinema
the end
RAUL POUGH
domingo, 10 de janeiro de 2010
Muñeca de porcelana
a Carmen Váscones
Suenan infernales campanas de escuela
y yo entre viva y muerta me tambaleo.
Mientras el reloj de arena rojo
y mi terrible aracnofobia creen que estoy rota,
pues lo estoy;
como esa muñeca de porcelana
a la que le arranqué los ojos.
CAROLINA PATIÑO
TV-VIDA
Queria se editar na vida.
Tirar os maus pedaços.
Enxugar as passagens mal resolvidas.
E
Fazer a vida em contraplanos perfeitos.
Não deu.
A vida
É ao vivo.
MARCIA PELTIER
in: "As Garras do Mel" (1989)
Frívola
Estava no café há mais de meia hora. Sentada à mesa do canto, lia e se divertia com cigarros, da forma como pessoas elegantes o fazem. Tentava se concentrar, mas olhava para a porta quando qualquer um entrava. Não conseguia sair da página quarenta e cinco. Ele estava atrasado, ela estava esperando. Então, entrou, procurou seus olhos grandes e castanhos e sentou-se:
– Estou atrasado.
Ela terminou de ler e colocou um palito de mexer café para marcar a página. Fechou o livro, com aquele ar de desinteresse.
– Tudo bem.
Deu uma última tragada da mesma forma elegante, levantou o rosto e lançou a fumaça para cima. Ficou observando ao se dissipar no ar.
– Estava comprando agrião. Amo agrião, uma longa fila. Me atrasei.
– Tudo bem.
Apagou o cigarro devagar, batendo várias vezes no cinzeiro cheio. Sempre permanecia uma pequena ponta laranja acesa. Não era boa nisso de apagar cigarros, nem de pisar neles enquanto andava. Tentou vários métodos para medir a distância em que o jogava, a velocidade do ar e qual o tamanho do passo. Errava, sempre.
– Estava lendo, enquanto te esperava.
– O que fez de bom hoje?
– Li a página quarenta e cinco.
– Mais alguma coisa?
– Pintei as unhas de vermelho, é outro tom - esticando as mãos.
– Frívola.
– Compulsiva.
– Frívola.
– Lascívia.
– O quê?
– Lascívia é uma palavra tão bonita quanto frívola.
LETICIA FONTANELLA
leticiafontanella.blogspot.com
Me fodo todos os dias e nem gozo
Tentei, inutilmente, te dizer o quanto importa pra mim. Tentei fazer com que se importasse também. Grande coisa, isso de você ser assim, tão superior em alguns aspectos pouco (ou quase nada) práticos. Eu não ligo se sabe dizer o mesmo palavrão em oito línguas. Podiam ser doze e seria a mesma merda. Eu poderia te mostrar algumas coisas que sei e você se surpreenderia. Também sei que eu poderia ser mais interessante e talvez mais elegante. Eu poderia falar francês ou combinar o cinto com o sapato. Mas, perto do que eu sinto, tanto faz o sapato. Tanto faz se o lixo de sexta ainda fede na cozinha ou se beberemos aquele champagne que eu não posso pagar. Eu não ligo mais. Acordo todos os dias e procuro não pensar em nada. Apenas faço o que parece necessário e o que parece que preciso fazer. Não questiono mais se o que faço é útil ou importante. Apenas faço. Como a puta que obedece às ordens do cliente. Me fodo todos os dias e nem gozo. Faz tempo que eu desisti de tudo isso que você e todo mundo procura. E ainda assim, eu não me sinto inferior. Dói do mesmo jeito. Pra todo mundo.
WILTON ISQUIERDO
wiltonisquierdo.blogspot.com
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
viageiros
"Esta vida é uma viagem; pena eu estar só de passagem."
PAULO LEMINSKI
"Para quem viaja ao encontro do sol é sempre madrugada…"
HELENA KOLODY
domingo, 3 de janeiro de 2010
Jesus Mastercard est
Cansado, desceu da cruz e foi às compras.
O PAI nada fez, pois Nele habitava o livre-arbítrio.
CLÁUDIO COSTA
micro-pilulas.blogspot.com
Admiração
- Que sobrancelhas lindas as dela!
- Que nada! Deve estar se odiando aí no caixão, não deu tempo de pintar os cabelos.
EUMAR SICURO
in: "A Brisa é Você - coletânea de minicontos" (2009)
sábado, 2 de janeiro de 2010
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
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