I
aviso aos navegantes:
o mar não está pra peixe
te liga, gaivota!
te liga, marinheiro!
a gaivota, instinto puro
põe-se a nidificar
o marinheiro, instinto burro
põe-se a desafiar
o mar, ondas explosivas de insensatez
o vento, furiosas rajadas de intolerância
no desencontro, encontra
o beijo ameaçador da tempestade
deixa-se seduzir
pelo deus primordial: caos
(pensa o que não deve, diz o que não quer
ofende, magoa, ofende-se, magoa-se)
e flerta com a imagem cadavérica
da princesa da foice, fatal
(e mete os pés pelas mãos, estúpido
e bota tudo a perder, cretino)
vê-se na antessala do apocalipse
e borra-se vergonhosamente
prostrado, à deriva
sofre sofre sofre sofre sofre
II
mas nem tudo está perdido
mayday mayday mayday
dit dit dit dah dah dah dit dit dit
liga 911, fala com aquele rapaz
luz e treva
disputam hegemonia no fim do túnel
enfim, lux
(mais sorte do que juízo)
III
singra a nau
riscando de amor a calmaria
velas a meio-pau
retinas brilhantes vislumbram a baía
o porto, de olhos preguiçosos
boceja um hálito aliviado
como quem desperta de um sonho ruim
a aproximação é lenta
o ancoradouro sorri hospitaleiro
abraça as amarras, assim...
o sabor do reencontro com o destino
traçado pelas marias de orion
tatuado ao vento com neon e purpurina
IV
da próxima vez,
te liga, marinheiro!
RAUL POUGH
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