domingo, 17 de janeiro de 2010

derivas e derivações


I

aviso aos navegantes:

o mar não está pra peixe
te liga, gaivota!
te liga, marinheiro!

a gaivota, instinto puro
põe-se a nidificar

o marinheiro, instinto burro
põe-se a desafiar

o mar, ondas explosivas de insensatez
o vento, furiosas rajadas de intolerância

no desencontro, encontra
o beijo ameaçador da tempestade

deixa-se seduzir
pelo deus primordial: caos

(pensa o que não deve, diz o que não quer
ofende, magoa, ofende-se, magoa-se)

e flerta com a imagem cadavérica
da princesa da foice, fatal

(e mete os pés pelas mãos, estúpido
e bota tudo a perder, cretino)

vê-se na antessala do apocalipse
e borra-se vergonhosamente

prostrado, à deriva
sofre sofre sofre sofre sofre


II

mas nem tudo está perdido

mayday  mayday  mayday
dit dit dit dah dah dah dit dit dit
liga 911, fala com aquele rapaz

luz e treva
disputam hegemonia no fim do túnel

enfim, lux
(mais sorte do que juízo)


III

singra a nau
riscando de amor a calmaria
velas a meio-pau

retinas brilhantes vislumbram a baía

o porto, de olhos preguiçosos
boceja um hálito aliviado
como quem desperta de um sonho ruim

a aproximação é lenta
o ancoradouro sorri hospitaleiro
abraça as amarras, assim...

o sabor do reencontro com o destino
traçado pelas marias de orion
tatuado ao vento com neon e purpurina


IV

da próxima vez,
te liga, marinheiro!


RAUL POUGH

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