este poema é pra ti, meu amor!
I
o pastel-almoço
com sabor de rodoviáriapaladar viciado
o velho ônibus, saco! aleijante
a coluna dilaceradaimplorando aposentadoria
destino vintenário:
escola pública estadualdistrito, zona rural
lá vai a professorinha...
II
atropela as adversidades
sufoca as dores... todasdribla a carência de recursos
nos sapatos cansados
o barro da mesma estradaa poeira de giz
mão direita
desliza branca sobre a pedra verdedesenhando conhecimento
lá está a professorinha...
III
nos bancos envelhecidos
relicário de retantas históriasjoices, márcios, mariléas...
roupinhas surradas
sapatinhos rotos, sandálias de tirascachos e topetes por cortar
ainda carregam
a inocência nos lábiosa primavera no olhar
lá estão eles, os baixinhos da “pro”
IV
atentos e ansiosos
— o que a “pro” vai inventar hoje? —pelo espetáculo do dia
— vamos lá!
objetos de uso pessoal...o que a “pro” desenhou na lousa?
— um tijolo... um garfo... um repolho...
(risos) — gustavo, não te faz (de bobo)— um isqueiro... uma rapadurinha...
tenta sustentar um olhar de seriedade
puxa a cadeira e descansa a desolaçãoarremata — aquilo é um celular, crianças!
as gargalhadas, intermináveis
podem ser ouvidas no distrito vizinhoresta à “pro”, altiva, rir junto
bate o sinal
— “pro”, amanhã podemos fazer maquete?— podem, podem!
lá vão eles, os baixinhos...
na parada do ônibus (o mesmo)
vento e garoa, de braços dadosdesafiando a saúde já frágil
destino: rodoviária (a mesma)
a correria pra chegar em casaducha, quase-banho
hoje, não vai dar tempo
o café vai ter que esperar pelo jantar
se a fome sobreviver ao cansaço
raro momento de conforto
o percurso no velho carro financiadoaté outra escola, municipal
lá vai a professorinha...
VI
zona urbana (credo!)
retratos noturnos de vida bandidadrogas, violência, guerra perdida
os olhos já descrentes não enxergam
por vezes, os pobres coitadosque buscam a alfabetização tardia
ponteiros indiferentes
arrastam-se em monótona ladainhatic tac tic tac tic
ufa! enfim, a noite termina
ainda resta seguir uma recomendação:
— amor, usa o cinto!lá vai a professorinha...
VII
a fechadura de casa insiste
em exigir a chave que lhe abraroda o tambor e o trinco se acomoda
— boa noite, professorinha!
RAUL POUGH
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