quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Oração ao meu pai


Vaguei pela casa à procura de ti
Lâminas no ar cortavam a alma
Olhava nos móveis, nas coisas
e a tua presença parecia estar em tudo
mesmo naquilo em que nunca tocaste

Hoje, o teu lugar é a minha dor
e estás tão impregnado nela
que quero, para ter-te, chorar eternamente

Não sei se as plantas sofrem, se as pedras choram
se naquele sofá onde riste e brigaste
tuas febres de homem apaixonado
eu ainda te encontrarei nalgum dia

mas em mim as lágrimas todas jorram
minhas plantas, minhas pedras, minha saudade

Fechei nos olhos a magenta
de chorar por tua ausência
e percebi que tu não estás, de fato, nas coisas tangíveis

a casa, o carro, as roupas
e tudo que se pode comprar e tocar com a vaidade de ter
em nada, em nada disso tu estarás
por seres maior, por seres menor
por seres por dentro e pra sempre

Ao fechar os olhos
ao rever tua mão, teu rosto sempre iluminado
de perseverança, de esperança
por mais que a vida as confrontasse
revi tua enorme luz, na Estrela sobre a tua cabeça

“Reze por mim”, disseste-me com a voz já miúda ...
mas enquanto eu tentava feito louco
resgatar tua alma que deixava teu corpo em meus braços aflitos
era tu que rezavas por mim, por nós, em silêncio
a mais bela e densa oração
aquela que se espraia sem proferir palavras
e que faz do encontro de nossas almas
a lavra mais desejada

E agora que o mundo ficou tão pequeno sob meus pés
e a vida tão maior sobre a minha cabeça
ainda será em ti que eu buscarei
o apoio que tanto preciso e espero

Em ti, que nunca partiste
e que nunca chegaste
porque, em mim, tu és eterno!


MAURO VERAS

Divido com vocês, não a dor desmedida deste momento, mas a alegria de ter tido meu pai em minha vida, com sua enorme coragem, determinação e respeito pelas pessoas e seus sentimentos. Não sei se sou um bom homem, ou se um dia chegarei a sê-lo; entretanto, tudo que sou devo a ele, Amaury Ferreira, meu pai. E como diz Álvaro de Campos, no poema "Apontamento", agora, para meu pai, se "alastra a grande escadaria atapetada de estrelas", e que seja assim!


Mauro é um poeta maravilhoso, um baita ser humano, e vive me brindando com postagens no meu orkut. Agradeço, mais uma vez, e reproduzo aqui seu post mais recente. (Raul)

Um comentário:

Anônimo disse...

Denso, de um lirismo que chega a doer e para mim, vero_semelhante...lembrei muito de meu pai. Lindo poema !

Valéria Sessa